Pedro Côrtes
Blog
Pedro Côrtes

Professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e um dos mais renomados especialistas em Clima e Meio Ambiente do país.

Crianças em risco: o alerta da crise climática no Brasil

Guia propõe ações para garantir a saúde infantil frente a eventos ambientais severos

Mudanças climáticas no Brasil  • Reprodução
Compartilhar matéria

Com o aumento da frequência de eventos extremos no Brasil, profissionais da saúde chamam a atenção para os impactos já observados na infância. A crise ambiental, muitas vezes abordada em termos amplos e distantes, tem se refletido concretamente na vida de milhões de crianças no país por meio de situações como desnutrição, transtornos emocionais e doenças respiratórias.

Um guia recém-lançado por especialistas reúne dados, recortes regionais e orientações práticas para enfrentar esse cenário. Elaborado pelo movimento Médicos pelo Clima (idealizado pelo Instituto Ar) em parceria com a Sociedade Brasileira de Pediatria, “Como as Mudanças Climáticas Impactam a Saúde das Crianças?” apresenta de que forma determinados eventos extremos vêm afetando a saúde das crianças e quais medidas podem ser adotadas para protegê-las.

Destinado ao público leigo, o guia destaca cinco tipos de ocorrências que têm se tornado mais comuns em diferentes regiões do Brasil: inundações, chuvas intensas, ondas de calor, secas prolongadas e queimadas. A publicação está disponível online e pode ser ada pelo site do Instituto Ar (institutoar.org.br).

A publicação menciona que, segundo o UNICEF, aproximadamente 60% das crianças e adolescentes no Brasil — cerca de 40 milhões — estão expostos simultaneamente a diversos tipos de riscos ambientais. Entre os mais recorrentes estão as ondas de calor, a escassez de água, as enchentes e as doenças infecciosas.

Ainda segundo o guia, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) aponta que a poluição do ar está relacionada à metade dos casos de pneumonia, a 44% dos casos de asma e a cerca de 600 mil mortes infantis todos os anos.

Foram relacionados os principais riscos ambientais que cada uma das regiões apresenta de acordo com uma tendência mais específica de ocorrência de determinados eventos. Cabe lembrar, entretanto, que eventos extremos como chuvas intensas, inundações e ondas de calor podem ocorrer indistintamente em qualquer região, embora em algumas delas a frequência possa ser maior. Na sequência, um sumário das recomendações do guia.

Sul

A ocorrência de inundações na região Sul não se restringiu, infelizmente, ao evento ocorrido em maio de 2024. A região de Porto Alegre tem enfrentado inundações recorrentes, levando, segundo o guia, à ocorrência de TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático), leptospirose, ansiedade, isolamento.

As medidas de proteção devem garantir que as crianças permaneçam próximas de seus pais, familiares ou outros responsáveis, o que é considerado fundamental. Também é importante criar momentos de brincadeira que as afastem temporariamente da crise e estabelecer rotinas que contribuam para o equilíbrio emocional. Caso escolas e creches estejam fechadas, é recomendável buscar alternativas seguras para que elas possam continuar aprendendo e se divertindo.

Oferecer apoio psicossocial e orientação a pais, educadores e demais cuidadores sobre as necessidades específicas das crianças é uma forma eficaz de garantir o acolhimento e a proteção infantil.

Além dos efeitos na saúde mental, as inundações aumentam os riscos associados ao contato com água contaminada, como a leptospirose, infecção causada pela exposição à urina de animais infectados, sobretudo roedores e doenças do trato gastrointestinal.

Chuva no Sul do Brasil • Divulgação/Climatempo
Chuva no Sul do Brasil • Divulgação/Climatempo

Sudeste

O aumento de chuvas intensas e temperaturas elevadas tem trazido impactos relevantes à saúde das crianças, especialmente devido à maior incidência de arboviroses — infecções virais transmitidas por mosquitos, sendo o Aedes aegypti o principal vetor no Brasil.

A ocorrência de chuvas intensas favorece a formação de criadouros, como poças e recipientes com água parada, onde o mosquito deposita seus ovos. Entre essas doenças, a dengue se destaca por atingir expressivamente crianças e adolescentes, que representam um grupo com risco de desenvolver quadros graves.

Existem vacinas seguras e eficazes contra a febre-amarela e a dengue, ambas disponibilizadas gratuitamente pelo SUS. No entanto, mesmo com as vacinas, é fundamental manter ações de prevenção, como eliminar locais que possam acumular água, onde o mosquito Aedes aegypti se reproduz — e utilizar repelentes.

Centro-Oeste

Ondas de calor podem comprometer significativamente a saúde das crianças, provocando desidratação, hipertermia e, em casos mais graves, insolação, condições que exigem atenção imediata. Os sintomas incluem boca seca, sonolência, irritabilidade e febre elevada.

Para prevenir esses efeitos, é fundamental garantir hidratação frequente com água e sucos naturais, além de intensificar as mamadas em crianças que recebem aleitamento materno exclusivo. Recomenda-se o uso de roupas leves e de tecidos respiráveis, como o algodão, além de órios como chapéus e óculos de sol.

A exposição ao sol entre 10h e 16h deve ser evitada, mesmo em dias nublados, com reaplicação regular de protetor solar. Ambientes devem permanecer bem ventilados, com janelas abertas, ventiladores ou ar-condicionado em temperatura amena (cerca de 24 °C), e o uso de cortinas pode ajudar a manter o frescor interno. A alimentação também deve ser adaptada, com preferência por refeições leves, ricas em frutas, verduras e legumes.

Nordeste

A seca representa um sério obstáculo para a saúde pública, com efeitos ainda mais intensos sobre crianças em situação de vulnerabilidade. A combinação entre escassez de água e temperaturas elevadas afeta diretamente a produção de alimentos, contribuindo para casos de desnutrição e enfraquecimento do sistema imunológico infantil.

A ausência de o à água potável aumenta a exposição a doenças infecciosas, como diarreia e desidratação, além de favorecer o surgimento de problemas ligados à higiene precária, como micoses, dermatites e outras enfermidades de pele.

O ambiente seco e carregado de poeira típico das regiões atingidas também agrava doenças respiratórias, como pneumonia, asma e bronquite — especialmente perigosas para crianças com a saúde já fragilizada pela subnutrição.

Norte

A exposição contínua à fumaça e aos poluentes liberados pelas queimadas pode provocar ou agravar diversas doenças respiratórias em crianças, além de comprometer a função pulmonar permanentemente.

Dependendo do momento da vida em que essa exposição ocorre, ela também pode gerar alterações epigenéticas, favorecendo o surgimento de condições como asma, rinite, conjuntivite alérgica, dermatite atópica e outras enfermidades dermatológicas.

Além disso, esses poluentes podem desencadear inflamações em diferentes órgãos e contribuir para o aparecimento de doenças cardiovasculares crônicas, como hipertensão e insuficiência cardíaca.

Vamos naturalizar um futuro mais frágil?

Desconsiderar os efeitos ambientais na infância é aceitar, de forma tácita, um futuro com mais vulnerabilidades, problemas de saúde e desigualdades. O material elaborado pelos Médicos pelo Clima vai além de um diagnóstico técnico, trata-se de um posicionamento ético diante dos desafios que afetam as novas gerações.

Proteger as crianças dos efeitos dos extremos ambientais não deve ser uma escolha, mas uma prioridade nacional. Afinal, cuidar da infância é o primeiro o para qualquer projeto sério de país sustentável e justo.